domingo, 22 de agosto de 2010

O lugar do negro no brasil

Por: Isac Afonso dos Santos Filho
*Bacharel em Administração e Assessor Político do Deputado Federal Luiz Alberto/PT.
Os lugares ocupados pelos negros e descendentes de africanos na sociedade brasileira no que tange o acesso aos bens sociais como educação, saúde e ocupação, perpassam necessariamente por uma reflexão sobre a História do Brasil, desde a sua colonização pelos portugueses quando da institucionalização da mão-de-obra escrava até os dias atuais. Ao longo desse percurso histórico pode-se identificar de que modo ocorreu a integração destes sujeitos na economia e na sociedade brasileira.
Desde a pseudo abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888, quando os negros escravizados se tornam "livres" para viverem na sociedade como sujeitos, já havia um elevado número de ex-escravos que se encontravam livres nas cidades, porém, em condições mínimas de sobrevivência, não havendo por parte do Estado brasileiro nenhuma ação para a integração desta população à economia nacional. Ao contrário, uma evidente tentativa de embranquecimento da sociedade por meio da divulgação da superioridade do trabalho branco europeu, o que significou uma total ausência de perspectivas de inserção dessa população negra na economia, seja trabalhando como cidadãos comuns, seja plantando em terras próprias ou ocupando postos sociais na política, na educação, entre outros.
Em 1890, dados do censo expressam um esforço nacional para promover o embraquecimento do país através da imigração, concedendo benefícios ao trabalhador europeu recém-chegado ao país, enquanto para os negros escravizados, que já estavam aqui há cerca de 300 anos, a situação era diametralmente oposta, de forma que nenhuma alternativa era oferecida pelas autoridades à população sem emprego, uma multidão de negros libertos, índios e mestiços.
No que se refere à evolução da economia agrícola do Brasil, pode-se observar que, nas primeiras iniciativas dos proprietários de terras em busca da melhoria das plantações e da competitividade no mercado internacional, a mão de obra africana e dos afro-descendentes foi preterida sob o argumento de que imigrantes europeus teriam melhor preparo para lidar com a nova tecnologia característica das lavouras de café. Nesse momento da história do trabalho no Brasil, os negros foram excluídos do processo de produção em favor da absorção dos imigrantes brancos, que vieram para o país fugindo da 1ª Guerra Mundial e foram recrutados para atuar nas plantações cafeeiras e nas pequenas organizações fabris que surgiram na segunda metade do século XIX, como trabalhadores assalariados.
Analisando essa construção dos papeis ocupados pelos negros na sociedade, podemos observar nas relações de trabalho no Brasil, a repercussão das ideologias racistas construídas nas relações sociais. Com isso, os estereótipos de inferior do ponto de vista intelectual, incapaz, entre outros, permaneceram arraigados no imaginário coletivo, prejudicando a inserção dos afro-descendentes em instâncias sociais estratégicas para o seu desenvolvimento humano, tais como: o trabalho, a educação, postos de comando no poder público, na área de saúde e desenvolvimento tecnológico.
O relatório publicado pelo DIEESE em 2001 aponta o mercado de trabalho como a esfera onde aparece com maior evidência a eficiência dos mecanismos discriminatórios no Brasil, bem como sua forma sutil de produzir efeitos. Disfarçados por fatores aparentemente objetivos, oriundos de novas e tradicionais exigências produtivas, velhas questões permanecem: os negros estão mais sujeitos ao desemprego, conservam-se mais tempo nesta situação e, quando tem trabalho, são os postos de trabalho de menor qualidade, status e remuneração que conseguem.
Assim, temos como conseqüência histórica, uma significativa diferença na participação dos cidadãos brancos e negros no "mercado de trabalho", onde a população negra encontra-se em notável desvantagem, estando sub-representados, principalmente, nas atividades consideradas de maior prestígio, ou de melhor remuneração.
O fato é que, o negro saiu das senzalas para ocupar as invasões e favelas, espaços geográficos das cidades, privados de bens e serviços públicos adequados, ou, nas periferias, que distam dos centros e contam com bens e serviços públicos precários, bem inferiores aos encontrados nos bairros "ditos nobres".
Porém, as mais perversas conseqüências do racismo brasileiro são a auto- rejeição e a privação das aspirações, que operam no âmago da psique de negros e negras que acreditam e aceitam este lugar (não só social, mas também conceitual) atribuído pelos brancos aos negros, apesar de toda uma história de luta e resistência dos movimentos negros, que trabalham por uma Consciência. Esse lugar social tem sido demarcado não só por aspectos geográficos, econômicos e sociais, mas também, por elementos comportamentais, onde, por um lado, a auto-rejeição promove a necessidade de se parecer fisicamente com os brancos, no que diz respeito ao fenótipo, influenciando decisões de geração de prole, que perpassam por matrimônios com pessoas mais claras, com o intuito de "clarear" a família para melhorar as chances na vida. Isto tem referência na cultura popular através do termo "barriga limpa", genitora negra que dá à luz criança "clara", gerando assim, uma hierarquia das cores, onde, quanto mais clara, ou seja, mais parecida com o branco, melhor aceita, ou, mais tolerada e, por outro lado, a privação das aspirações promove nestes, uma idéia de existir um lugar pré-determinado para o negro no Brasil, de forma que não adianta lutar ou tentar ser ou fazer outra coisa, senão "aquilo" determinado pela sociedade para nós negros, refletido nos comportamentos das relações familiares que, impelidos a acreditar que profissões como as de médico, advogado, parlamentar, gestor público, cientista e todas que existem de prestigio social bem como as que virão a existir não são o nosso lugar, reproduzimos esses conceitos racistas inclusive na hora de escolhermos nossos representantes parlamentares e executivos, ao votarmos sempre em candidatos brancos, por entender que este é um lugar para brancos. O fato, é que a sociedade não admite que negros ocupem espaços historicamente reservados aos brancos e, os próprios negros, cerceados de aspirações, acreditam nisso.
Ainda acreditamos, impregnados pela ideologia racista, (que não está só nas mentes dos brancos), que o nosso lugar evolui da senzala vestido de trapos com trabalho escravo, para morar na favela vestido de trapos com subempregos.
Infelizmente, pessoas a serviço deste status quo, muitas vezes, negros que podemos comparar aos capitães do mato, impregnados da concepção racista, usados conceitualmente pelos brancos para garantir que nenhum negro se afastará da condição imposta pela sociedade branca racista, ou seja, não fugirá da senzala, conservam o discurso de que essa ou aquela vestimenta não é adequada a um negro, a exemplo de terno e gravata, vestimenta de origem européia, o que a partir daí também justifica dizer que estes (os negros) não devem ocupar espaços de representação política, pois também é "construção social" européia, bem como residir em bairros e casas com saneamento básico, energia e água encanada, ter veículo automotor, estudar em Universidades e se formarem em medicina, direito, docência etc., talvez porque também considerem invenções da sociedade moderna européia e, tudo contraria o sentido de "cultura afro". No fundo, são oprimidos que oprimem. São aqueles que, oprimidos e desprovidos de qualquer condição de dialogar a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, se prestam ao papel de se subordinarem aos seus opressores, para oprimir aqueles que lhes são iguais, de forma que, mesmo tendo a tez preta, é capaz de negar tal condição, só pelo fato de poder sentar-se à mesa com os seus opressores, mesmo que uma vez na vida, em restaurantes caros, o que os fazem imaginar, nem que seja por aquele momento, "ser igual".
O lugar do negro deve ser o que ele escolher para estudar, trabalhar ou vestir, pois não deve existir a roupa do negro, o trabalho do negro, o bairro do negro. Deve existir, o espaço das pessoas, onde, independente da cor, esses acessos estejam devidamente garantidos para a escolha. Essas garantias perpassam pelas Ações Afirmativas, que visam a instituir medidas compensatórias, destinadas a promover o principio da equidade de forma a eliminar o racismo e permitir a participação efetiva da população negra na sociedade brasileira. Na educação superior, diversas universidade brasileiras já instituíram as cotas para as populações afro-descendente. A política quilombola constitui outra ação afirmativa para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Aos poucos e, de forma bem tímida, diversas ações são implementadas para responder aos anseios do povo negro, resultados esses, da intensa luta travada pelos movimentos sociais negros ao longo de décadas.
O lugar do negro deve ser Doutores(as), médicos(as), professores(as), cientistas, legisladores(as), prefeitos(as), governadores(as) e presidente(a). A roupa, que diferença faz?
Isac Afonso dos Santos Filho

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