quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Cervejarias vão atrás da água de Alagoinhas


       Um dito popular em Alagoinhas, cidade 128 quilômetros ao norte de Salvador, prega que quem prova a água do local não vai mais embora. Demorou, mas empresas produtoras de bebidas começaram a perceber que a apresentação não é apenas uma demonstração do caráter acolhedor dos habitantes do município. 

A água da cidade, proveniente do Aquífero de São Sebastião, tem qualidades capazes não só de encantar visitantes, mas também de atrair investimentos e aumentar produção e lucros das indústrias. 

O próprio nome Alagoinhas, cunhado no século 17, antes da criação da freguesia que deu origem ao município (emancipado em 1853), faz referência à água abundante no então ponto de encontro e descanso de viajantes que seguiam do litoral para o semiárido baiano. Além dos rios e lagos da área, a água brotava em grande quantidade do chão, quando escavado.
 
Apenas, agora, mais de 150 anos após a criação do município, a maior vocação natural da cidade começa a ser explorada. 
 
“Temos uma das melhores águas do mundo, facilidades logísticas e um mercado nordestino em crescimento e com potencial para crescer mais”, orgulha-se o prefeito de Alagoinhas, Paulo Cézar Simões (PDT). “As empresas de bebidas começaram a perceber as vantagens de investir aqui.”
 
O pontapé inicial foi dado pela Schincariol, hoje controlada pela japonesa Kirin Holdings, que há 15 anos instalou uma fábrica no município, às margens da BR-101, depois de pesquisas em diversas áreas do País. “O Aquífero de São Sebastião, rico em quantidade e qualidade, foi um dos principais motivos pelos quais a Schincariol foi instalada no local”, diz o especialista em Recursos Hídricos da Schincariol, Hamilton Luiz Guido.
 
A empresa reinou sozinha na região - o que a ajudou a chegar à liderança do mercado nordestino de cervejas - até agora. No dia 3 de julho, a população da pacata cidade comemorou a notícia de que o Grupo Petrópolis, dono das marcas Itaipava e Crystal e maior rival da Schin na disputa pela vice-liderança do mercado brasileiro de cervejas (dominado pela Ambev), assinou o protocolo de intenções para a instalação de mais uma cervejaria e um centro de distribuição no município. A empresa espera que o investimento de R$ 1,1 bilhão permita iniciar a produção de 600 milhões de litros em maio do ano que vem, absorvendo 3 mil colaboradores. Para os moradores da cidade, a notícia foi motivo de festa.
 
“Queremos 16% do mercado nordestino em cinco anos”, diz o diretor de Mercado da empresa, Douglas Costa. Hoje, a participação de mercado da Petrópolis na região não passa de 0,5%. A chegada do Grupo Petrópolis a Alagoinhas promete deflagrar uma guerra de cervejarias, mas outras empresas do ramo de bebidas não alcoólicas também querem aproveitar a água de Alagoinhas. O município foi o escolhido pela peruana Industrias San Miguel (ISM), líder na venda de refrigerantes em seu país, para fazer sua estreia no Brasil. 
 
Cidade virou polo regional
 
A cidade virou polo regional após dois grandes ciclos de desenvolvimento, ambos relacionados à posição geográfica. O primeiro teve como catalisador a criação, entre o meio e o fim do século 19, de duas linhas ferroviárias ligando Salvador a outras regiões do Nordeste, que confluíam em Alagoinhas. Uma delas é controlada, hoje, pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), da Vale.
 
O outro teve início em meados do século 20 e foi resultado do cruzamento, no município, de duas importantes rodovias federais, a BR-101 - que atravessa o País no sentido Norte-Sul, pelo litoral - e a BR-110, que liga a região metropolitana de Salvador ao litoral do Rio Grande do Norte, atravessando o interior nordestino. Seguiram-se movimentos menores, como o do petróleo, após a descoberta, na década de 1960, de pequenos poços na região, e o da agricultura de frutas cítricas, que fez a cidade ganhar a alcunha “terra da laranja” na Bahia.
 
A fábrica da Petrópolis está praticamente pronta, nas proximidades da rival Schincariol, após investimentos iniciais de R$ 50 milhões, e começa a fazer os primeiros testes de produção. A unidade terá capacidade de produção de 4 milhões de litros de refrigerantes, energéticos e água mineral por ano.
 
 “A qualidade e o volume da água foram os fatores mais determinantes para a empresa escolher o município”, diz o diretor Comercial da peruana ISM, Francisco Galdos. “A água da região apresenta uma correta proporção de sais e alta pureza, que praticamente eliminam a necessidade de tratamentos adicionais”, conta. “Além disso, a região não tem outras indústrias que possam potencialmente comprometer a qualidade dos poços.”
 
Segundo estudos feitos pelo grupo ISM, os principais índices de impureza da água medidos no ponto onde a planta está instalada, os de alcalinidade e dureza, foram muito menores em Alagoinhas do que nas outras indústrias da empresa, localizadas no Peru e na República Dominicana. Com menos impurezas, os investimentos necessários para tratar a água são menores. O volume disponível para uso, 1,04 milhão de litros por dia, também é maior que o das outras plantas.
 
A alcalinidade da água de Alagoinhas registrou 16 partes por milhão (ppm), 14 vezes menos do que o encontrado nas fábricas da empresa no Peru (média de 220 ppm) e 25 vezes menos do que o verificado nas fontes usadas pela unidade dominicana da indústria peruana (400 ppm). Apesar da baixa alcalinidade, a água não é excessivamente ácida - tem pH médio de 6, em uma escala de 0 a 14 no qual quanto mais baixo o número, maior a acidez e 7 significa neutro. 
 
Segundo informações do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Alagoinhas (Saae), a pureza dos poços da cidade tem relação tanto com o terreno sedimentar (arenoso) sobre o qual o município está instalado, quanto pela profundidade média na qual o aquífero está localizado, entre 100 e 150 metros. “A combinação permite que o terreno filtre quase todas as impurezas, deixando a água cristalina e leve”, diz o assessor especial da autarquia, Nilo Carvalho. “A ‘água bruta’ (retirada diretamente do lençol) é naturalmente potável, mas adicionamos flúor e cloro para cumprir a legislação. É o único tratamento necessário.”
 
As qualidades devem levar mais indústrias do setor para a cidade. “Estamos em fase adiantada de negociações com a Coca-Cola (a Norsa planeja instalar uma unidade de produção de água mineral no local) e com outras empresas do setor”, diz o prefeito. 
 
Na esteira, empresas de fornecimento de materiais para a indústria de bebidas também começam a se instalar na cidade. A americana Latapack-Ball, fabricante de latas de alumínio, por exemplo, está concluindo sua planta em Alagoinhas, vizinha à da ISM. Espera-se que a unidade, que exigiu investimentos de R$ 200 milhões, produza 1 bilhão de latinhas por ano. “Estamos começando a viver o ciclo da água”, comemora Simões. (Fonte: TiagoDécimo -Do Estadão)

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